18/04/2007

Trabalho igual, salário igual...

Nunca fui defensor da máxima comunista a trabalho igual, salário igual. Pelo contrário, sempre defendi que não há trabalhos iguais. Há quem trabalhe e quem se limite a estar no emprego; há quem seja bom e quem seja medíocre; há quem seja excelente e quem seja absolutamente excepcional. Cada um deve ganhar conforme o valor do seu trabalho e do seu talento. Mas, entendo que há, todavia, um limite. Um limite de pudor, em termos sociais, que é difícil de justificar, quando ultrapassado. Também acho que Ronaldo é um génio do futebol e provavelmente o melhor jogador do mundo, actualmente. Não ignoro que vê-lo jogar é um prazer planetário, ao alcance gratuito de milhões de pessoas: ele distribui alegria e prazer pelo planeta e isso paga-se. Mas quando penso que uma equipa de três investigadores americanos acaba de descobrir que, bloqueando 57 células do corpo humano, se consegue que os tratamentos de quimioterapia para o cancro sejam mil vezes mais eficazes, podendo assim aliviar mil vezes o sofrimento dos doentes, fico chocado quando comparo o que eles fazem e o que ganham com o que faz e o que ganha Cristiano Ronaldo. Com o seu talento natural e o seu empenho físico, Cristiano pode distrair momentaneamente da dor e da doença milhões de seres humanos; eles, com o resultado de anos a fio de estudo e de investigação solitária, podem curar da doença ou retirar a dor a milhões de seres humanos. Eles ganham mil contos por mês; ele vai ganhar 44 000 euros por dia, livre de impostos, mais outro tanto em publicidade. Não gostava de estar no lugar do Cristiano Ronaldo e digo-o com sinceridade: acho que a responsabilidade moral de ganhar essas quantias indecorosas apenas por ter nascido com talento para chutar a bola, não me iria deixar gozar o dinheiro em paz.
Miguel Sousa Tavares, In Jornal "A Bola" 17 de Abril 2007